sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Espera quatro por quatro


“Ficar esperando uma noite e perder a esperança, isso faz a gente envelhecer.”
(Inocência – Dea Loher)




Vejo tudo azul. Tocas, máscaras, jalecos. Em volta, azulejos brancos. É frio aqui. Por que tantas ferramentas? Pontudas, redondas, grandes e pequenas na bandeja. Outra contração. Um, dois, um dois, respira, respira. Puxa pelo nariz e solta pela boca. Já está passando. Por que demora tanto? Nove meses, nove meses se passaram. Como será que ele é? Ou será ela? O nariz do pai e os olhos da mãe. Ou será o contrário? Deus não permita! De novo. Será que é agora? Por que o médico ainda não chegou? Preciso de anestesia! Respira, respira. Vinte minutos. Quanto tempo é vinte minutos? Respira, respira. Quanto tempo já passou? Finalmente o médico! Mais alguns instantes. Quanto vale um instante? Luvas nas mãos. Esquece esse celular. É agora! Estou sentindo. Pra que tanta enfermeira? Empurra, empurra. Acho que não tenho forças. Empurra, empurra. Alguém tem que me ajudar. A cabeça. Já tiraram a cabeça. Só mais um pouco. Não consigo respirar. Os ombros. Não vou conseguir. Meu filho. É um menino!

***

- Acho que deve ter esquecido!
- Não, não. Alguma coisa deve de ter acontecido. Logo logo ele tá aí.
- Você mora aqui?
- Não, moro aqui perto. Eu só abro e fecho o portão.
- Você já vai embora então?
- Ainda não. Eu espero.
- Tá bom.
- Põe aqui a sua mochila. Deve de tá pesada, num tá?
- Tá. Mas ele já vai chegar.
- Você pode sentar aqui se quiser. Não tem lição de casa pra fazer?
- Tenho, mas meu pai me ajuda depois.
- Vai estragar seu tênis chutando essas pedras aí.
- Que árvore é essa?
- Ela chama Quaresmeira.
- Qua-res-meira?
- É. Acho que é porque as flor só brota na Quaresma.
- Tá demorando.
- Não, a Quaresma já passou.
- Meu pai.
- Ah... Esse chão aí tá sujo. Acho melhor sentar aí não.
- Hoje é sexta mesmo!
- Você mora longe?
- Moro.
- Entra pra dentro menino. Essa rua é perigosa.
- Tô vendo se vejo o carro dele.
- Quer uma bala?
- Meu pai não deixa antes da janta.
- Tá com fome?
- Tô.
- Guenta só mais um minutinho.
- Acho que é ele.
- É ele mesmo.
- Paaai....

***

            Saiu do banho e perfumou-se toda. Vestiu-se, arrumou o cabelo e estendeu a toalha molhada no Box do banheiro. Seguiu para a cozinha. Lavou, picou, refogou. Na sala de jantar dois pratos, talheres, dois copos, guardanapos. Um arranjo de rosas brancas com trigo seco no centro da mesa. Desligou o fogão. Espremeu os limões, colocou água e açúcar. Levou a jarra à mesa. Ajeitou mais uma vez o arranjo.
Olhou para o relógio e sentou-se no sofá. Trocou alguns canais. Sentada com os pés no sofá e segurando uma almofada caiu no sono. Acordou agitada com barulhos de buzinas que vinham da sacada. Levantou-se do sofá e foi conferir o movimento da rua. Muitos carros circulavam. Era hora de voltar para casa. Sentou-se na espreguiçadeira e pôs a ler o livro que havia deixado ali na tarde anterior. Encontrou o marcador e continuou a leitura interrompida. Releu alguns parágrafos para retomar a sequência e mergulhou naquela história até cair no sono novamente. Despertou, dessa vez sem sobressaltos, e voltou o olhar para a janela do prédio da frente. Assistiu a um casal de velhinhos tomando a sopa. No apartamento do lado, um casal apaixonado trocava torpes carícias na sacada. Envergonhada por invadir a vida alheia retornou o olhar para o livro e o repousou no mesmo lugar onde estava antes.
Caminhou até a cozinha e ligou o fogão mais uma vez. Com a comida requentada, levou as panelas à mesa do jantar. Abriu o congelador e retirou a forminha de gelos. Desinformou-os e os colocou no suco que estava sobre a mesa. Ouviu o barulho na porta que se abriu. Já era tempo. Ele chegou, podemos jantar.

***
Meu olhar ao longe espera
Incessante espera

Umas são doces, outras são ternas
Esperas possíveis por uma recompensa.
A minha não é desse tipo
É docemente intangível
É ternamente invisível

Atingir as estrelas?
Percorrer o infinito?
Ultrapassar o horizonte?
Não, eu só espero respostas...

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