segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Anedota Carnavalesca

“Todo carnaval tem seu fim, e é o fim, o fim.
Deixa eu brincar de ser feliz.
Deixa eu pintar o meu nariz.”
(Todo carnaval tem seu fim – Marcelo Camelo, Los Hemanos)


Era Carnaval de 1950. As ruas enfeitadas, as calçadas coloridas de confetes e serpentinas. Grupinhos de foliões desciam a avenida principal acenando, cantando e dançando sobre os paralelepípedos. Os rapazes de um lado com seus smokings alugados e as moças de outro exibindo seus vestidos de seda e de cetim feitos exclusivamente para esse dia. As máscaras eram suntuosas, brilhantes. Nas cabeças, arranjos de plumas e flores. Os amigos se encontravam na praça central e juntos seguiam para o salão municipal onde todos os anos acontecia o baile de carnaval.
            De frente à praça havia um sobrado velho com paredes descascadas, janelas antigas e grandes que lembravam as casas do período colonial. Eram janelas de um marrom enferrujado e tinham os vidros opacos. Do alto do sobrado, escondida nas cortinas brancas de renda, Lucila observava o movimento dos mascarados e se encantava com o fulgor, a agitação e a beleza da juventude. As moças andavam sempre juntas, de braços dados, aos cochichos e risinhos. Ao cruzar o olhar com um rapaz, viam os rostos ruborizarem e as risadinhas aumentarem. Lá de cima, também Lucila sentia uma ardor nas faces, que fazia com que ela se escondesse ainda mais em volta das cortinas empoeiradas. As pessoas iam adentrando o salão, pois era dado início o baile de gala. Lucila ia percebendo a rua esvaziar-se até que restavam ali aqueles que não tinham convite e que esperavam, até o último segundo, o milagre de serem convidados a entrar.
            No auge de seus 18 anos, a moça do sobrado nunca havia ido a um baile de carnaval. Antes porque era moça nova e aquilo não era lugar para criança. Depois de moça feita, a morte do pai fizera dela uma enfermeira da mãe que adoecera de saudade. Lucila repartia seu tempo entre o curso Normal, o trabalho na creche e os cuidados com a mãe. Todo carnaval é assim: Lucila dá o jantar à mãe, a coloca na cama e corre até a janela onde fica até pegar no sono, de pé, encostada no parapeito. Ali, ouve as músicas e chega a dançar envolta na cortina, imaginando ser seu belo vestido de gala. Era a moça mais bela do salão, flutuava ao caminhar exalando um perfume cítrico e chamava para si os olhares de todos os rapazes que sonhavam com uma dança. Ao final do baile era coroada a rainha, e em meio aos aplausos, ouvia os comentários de quão bonita era a moça com a coroa do carnaval.
            A campainha toca e desperta Lucila de sonhar. Ela se assusta e olha para baixo. À porta está um rapaz de smoking com uma máscara nas mãos. Lucila abre a janela e pergunta o que deseja o jovem. Ele grita algumas palavras, mas não é compreendido. A moça desce até ele que lhe conta uma história. Ele tinha vindo ao baile e esquecido o convite. Fez todo o percurso de volta e quando, com o convite em mãos tentou entrar, foi impedido por que já passava das onze. Cansado, humilhado e seco de sede, queria apenas um copo d’água antes de se por de volta à sua casa. Lucila lhe deu a água e enquanto ele se saciava ela o observava, cabelos negros e ondulados, olhos grandes, lábios corados. Era muito apresentável. Ao devolver o copo à Lucila, os dedos dos jovens se tocaram e eles sentiram os rostos esquentarem. O rapaz sorriu, agradeceu e partiu. Lucila ia fechar a porta quando olhou para o chão e viu a máscara que o rapaz segurava. Agachou-se e recolheu o enfeite. Pensou em o procurar para devolver, mas lhe faltou coragem. Ela guardou a máscara na esperança do rapaz voltar para buscá-la. E nos bailes de carnaval, enrolada na mesma cortina, Lucila usava a máscara e sonhava o mesmo sonho.
            Do alto do sobrado da praça, sessenta anos depois, Lucila ainda assiste ao carnaval, agora pela TV. Em suas mãos uma máscara velha, descosturada, sem brilho. Em seu coração marcas de carnavais passados.

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