domingo, 7 de novembro de 2010

Apenas o fim

“Eu não entendo essa mania que as pessoas têm de querer saber o que vai acontecer. Não sei, pra mim, viver é jogar Detetive. Você sabe que alguém vai morrer no final. Agora, se vai ser com uma faca no hall ou com um castiçal na sala de estar... Eu acho que é legal você ir descobrindo aos poucos, jogada a jogada, explorando todo o tabuleiro.”
(Antônio, personagem de Gregório Duvivier em Apenas o fim, filme de Matheus Souza)

 

Não sei por que demorei tanto, mas só ontem assisti ao filme “Apenas o fim”. Dois jovens universitários terminando um relacionamento com apenas uma hora para conversarem e se despedirem para talvez nunca mais se verem. Um filme de diálogos. Tive uma sensação de déjà vu ao ler a sinopse. Era muito “Antes do amanhecer” e “Antes do pôr-do-sol”pro meu gosto. Não que eu não tenha gostado das duas obras de Richard Linklater, pelo contrário, mas não me parecia à primeira vista uma idéia muito original. Isso porque a proposta de um filme de personagens e não de ações, no qual os diálogos se personificam e ganham papel de protagonista tem que ser muito bem feita para dar certo. Os diálogos têm que ser muito bons.
Já nas primeiras cenas me surpreendi. Um texto leve com diálogos despretensiosos e simples. Deixei-me levar por aquelas palavras, por aquela história, por aquelas pessoas. Era sim fortemente influenciado pelos filmes estrelados por Ethan Hawke e Julie Delpy, mas tinha uma dinâmica e linguagem próprias, jamais exploradas em outros filmes. Algo tão próximo do real, tão natural só poderia ter partido de um jovem também universitário e idealista. Matheus Souza consegue tirar uma foto de toda uma geração inquieta, perdida e árida por respostas. Em uma entrevista, o jovem cineasta disse que a geração a qual ele retrata e da qual também faz parte é definida por seus gostos. Definimos-nos por nossas comunidades no Orkut, disse Matheus. Elas nada mais são do que uma lista de gostos e preferências. O casal do filme busca se conhecer, busca a intimidade através de diálogos ingênuos e ao mesmo tempo reveladores sobre o que eles gostam ou não gostam, desde uma simples fruta ou um personagem da TV, até questões mais intensas como posição política e crença religiosa, traçando assim personalidades e perfis. “Eu sou aquela vontade que dá de repente de tomar Fanta uva”. Essa frase resume a obra. Através dela fica clara a intenção do filme de ser discreto, mas que incomoda, que mexe, que faz pensar, que faz buscar. Nesse momento tive que pausar o filme, anotar a frase e pensar: e eu, o que eu sou? São cenas que revelam momentos de epifania dos personagens e que fazem dar um clic na cabeça do espectador que se reconhece naquela situação e se emociona, e ri junto e chora junto. Isso é possível não por apelos sentimentais cafonas e hollywoodianos, mas simplesmente por ser verdade. Eu pude ser os personagens em alguns momentos e em outros eu sabia que os conhecia. Em outros ainda eu apenas tive vontade de conhecê-los.
Confesso que chorei na última cena. Compulsivamente. A ponto de não ter coragem de colocar outro filme com medo de que ele apagasse as sensações deixadas pelo primeiro. Chorei não por causa do fim do romance, que já estava programado desde o começo, mas por tudo o que o casal tinha vivido. A partir desse momento eu descobri porque as pessoas choram quando alguma coisa acaba. Não é pelo fim porque o fim muitas vezes é só o começo, mas pela saudade de tudo o que foi. A vida não é nada se não uma coleção de emoções, de sentimentos, de cores, de sons, de experiências. Deve ser por isso que eu choro todo final de ano, não porque o ano acabou, acabar é conseqüência e eu já sei que tem um novinho em folha chegando. Eu choro pela lembrança de todos os momentos bem vividos, ou não, durante o ano que se esvai.
As imagens dos dois personagens se afastando eram misturadas com imagens de momentos compartilhados durante o período de namoro. Simplesmente poético, comovente. Depois do desespero de tocar em feridas e pôr em erupção um vulcão inativo, pude sorrir. Sorri porque já não me sentia sozinha. Não mais. Estou de mãos dadas com uma geração que não se contenta com o linear, com o cotidiano, com a falta de respostas. Estou de mãos dadas com uma geração que sente o bicho comichão dentro do peito e que não toma um remedinho para mascarar a dor. Estou de mãos dadas com uma geração que sai da zona de conforto nem que por apenas alguns minutos e se libertam das correntes do comodismo.
Definitivamente um filme para guardar nas caixas da memória para poder abri-las sempre que o monstro do fim, do acabou, do terminou sair de dentro do armário. O que vale mesmo é explorar todo o tabuleiro, afinal de contas, é apenas o fim.

Nenhum comentário:

Postar um comentário