domingo, 5 de dezembro de 2010

Despedida


“Não foi o começo quando nós chegamos aqui. Não será o final quando terminarmos. É um fragmento da vida, sem começo nem fim.”         
 (Strindberg)



- Oi…
- Oi … Tudo bem?
- Tudo. Não esperava te encontrar aqui.
- Eu gosto daqui.
- Por que você sumiu?
- Eu não sumi. Eu nunca sumo. Foi você quem nunca mais me procurou.
- Achei que você não queria ser encontrada.
- Se não quisesse não teria te dado o telefone no primeiro dia.
- Por que não retornou minhas ligações?
- Não tive vontade.
- Eu te fiz alguma coisa?
- Não. Fez nada não.
- Estou com saudade de você, do seu beijo, da sua voz, do seu cheiro.
- Estou indo pra Itália.
- Quando?
- Fim do mês.
- Por quê? Fazer o que? Com quem?
- Sempre quis ir para a Europa e acho que agora chegou a hora.
- Vai ficar quanto tempo?
- Um ano, seis meses, uma semana, não sei ainda.
- E vai fazer o que lá?
- Posso fazer o que eu quiser. Um curso de História da Arte em Florença, melhorar meu francês em Paris, uma especialização em Oxford. Posso fazer tudo, ou talvez nada disso e me arrepender e voltar.
- Por que agora?
- Eu não tenho o que perder. Posso muito bem largar o meu emprego mixuruca aqui. Arrumo outro depois se precisar. Família e amigos são pra sempre, não estou abandonando ninguém. Sei que todos vão estar do meu lado onde quer que eu esteja. Até porque não vou ficar por lá a vida inteira.
- Você vai com alguém?
- Você está vendo aquele moço loiro ali? Ele é um amigo meu. Na verdade um conhecido. Amigo da família, sabe? Ele é italiano e veio passar o fim de ano aqui no Brasil. Desde a outra vez que ele esteve aqui que ele ofereceu a casa dele na Itália e me convidou para ir com ele. Resolvi aceitar agora. A gente parte no final de janeiro.
- Ele faz o que?
- É médico em Roma.
- E você tem alguma coisa com ele?
- Não. Nada a ver. Não que ele não tenha tentado, mas não é o que eu quero.
- Você dormiu com ele?
- Nem beijar eu beijei. Por que? Faz diferença?
- Não sei. É você quem está indo embora com ele. Você deve saber.
- Falando assim parece que sou uma prostituta de luxo. Estou só indo na companhia dele e vou ficar na casa dele enquanto estiver na Itália. Vou pagar minha viagem e estou fazendo isso por mim. É só. Você sabe que eu não sou esse tipo de mulher. Já falamos sobre isso.
- Tem alguma coisa que eu possa dizer para você ficar?
- Minha mãe já tentou essa parte.
- Eu... eu me apaixonei por você.
- É a única coisa que você não podia ter feito. O que a gente viveu foi muito legal. Misturar amor e paixão nessa história não dá certo.
- O que você tem contra a se apaixonar?
- Nada contra. Só acho desnecessário.
- Como assim?
- A vida dá tantas voltas que às vezes eu fico até tonta. E nessas voltas a gente se apaixona e é só dar mais uma voltinha para desapaixonar. Sempre vai ter alguém partindo e sempre vai ter alguém chorando. É inevitável.
- Mas e tudo o que você pode viver quando está amando?
- Eu sei. São coisas lindas. Mas não valem à pena.
- Podem valer.
- É uma escolha, não é? É complicado isso. A gente sabe que depois de comer, muita coisa vai sair do corpo esgoto abaixo e que arrumamos a cama todas as manhãs para desarrumar à noite e ainda limpamos a casa e escovamos os dente e tomamos banho mesmo tendo a certeza que no final vai estar tudo do mesmo jeito, desarrumado, sujo, gasto. Trabalho jogado fora. Mesmo assim a gente continua fazendo essas coisas diariamente. Isso porque sabemos que precisamos fazer certas coisas. O resultado não importa, o que importa é o processo. E assim é a vida. Não é como ela vai acabar. Sabemos que ela vai acabar cheirando mal engavetada numa caixa de mármore. Nem por isso paramos de viver. Viver é o que acontece dia após dia. O mesmo é apaixonar-se. Sabemos que não vai acabar bem e mesmo assim nos aventuramos só para poder ter a sensação de ventinho na barriga de vez em quando. Acho louvável, mas não para mim. Acho que ainda posso viver sem brisas estomacais. Posso estar perdendo muita coisa, mas pelo menos não me frustro no final. Eu decidi não arrumar mais a cama, não escovar mais os dentes e não tomar mais banho quando o assunto é amor. Pelo menos por enquanto.
- Você não sentiu nada por mim?
- Claro que senti. Não tenho coração de pedra. Senti muito carinho, muita vontade de estar com você, muita vontade de você.
- Eu realmente gostei de você. Eu ainda gosto.
- Eu também gosto de você. Gosto do que a gente foi. Nunca fomos nada e ao mesmo tempo fomos tudo um para o outro. Não posso dizer que fui sua amiga, não tínhamos tanta intimidade assim. Também não fui sua namorada, definitivamente. Acho que nem sua amante eu fui, porque apesar da química louca de sair faíscas, nunca fomos até o final. Fomos nós, você e eu, conversando, rindo, beijando, passando o tempo, sentido coisas sem ter que se preocupar com nada. Passava horas com você no final de semana e não ficava ansiosa aguardando uma ligação no dia seguinte porque sabia que você poderia não ligar. E quando ligava eu ficava feliz. Sem expectativas, sem cobranças, você sendo você e eu sendo eu.  
- Isso te basta?
- Nesse momento da vida sim. Foi muito casual o que a gente viveu, muito solto e por isso só temos lembranças boas. Quando fecho os olhos e penso em você eu só me lembro das risadas que eu dava a cada bobagem que você falava. E lembro a minha pele arrepiada todas as vezes que você se aproximava da minha nuca. Lembro ainda as ligações no meio da madrugada e lembro as cômicas e frustradas tentativas que você tinha de me levar para cama e mesmo não conseguindo mantinha o bom humor e o carinho. Tive tudo isso ao seu lado, ia querer mais o que?
- Me ter do seu lado para sempre, e rir sempre, e sentir arrepio sempre que quisesse e se render ao tesão e parar de fazer jogo duro e quem sabe finalmente assumir de vez isso que a gente teve?
- E cair na rotina? E ter que cravar risadas mecânicas e perder os arrepios em beijos gelados e ainda por cima assumir o que nenhum de nós sabe o que é, ou foi? Não, nós não precisamos disso. Arnaldo Antunes já disse, “somos o que somos: inclassificáveis.” Se o mestre disse isso, quem sou eu para discordar?
- A gente poderia ter sido feliz.
- Nós fomos felizes. Do nosso jeito.
- Posso te dar um beijo de despedida?
- Esse não é você. Pedindo um beijo? Você nunca pediria um beijo.
- Fiquei com medo do carcamano mafioso.
- Sempre amei seu bom humor.
- Sempre amei você.
- Não fala mais nada.
- Não me deixa falar.

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