domingo, 2 de janeiro de 2011

Contagem Agressiva

“Haja hoje para tanto ontem.”
(Paulo Leminski)


Trinta e um de dezembro e é sempre a mesma coisa, promessas de mudanças, esperança e desejos de um ano bom acompanhados de muito Lambrusco, lentilhas, romãs e alguns pulinhos. Linhas telefônicas congestionadas aqui e lá do outro lado também. Sim, porque santos e orixás fazem hora extra nesse dia anotando pedidos e recebendo certos agrados descompromissados. É dia de festa também para as lojas especializadas em roupa íntima, especialmente feminina, já que sorte, paz, amor, paixão e uma boa grana dependem obviamente da cor da peça escondida debaixo do vestido. Videntes, pais e mães de santo, tarô, astrologia, jogo de búzios fazem previsões do que reserva os doze dias do famigerado Ano Novo.
            São todos muito bem intencionados, mas no fritar dos ovos, quer dizer, no estalar dos fogos o que resta depois de muita luz no céu é um cheiro insuportável de pólvora e uma fumaça que arde os olhos e espanta a multidão. Os dez segundos finais do ano velho carregam em cada milésimo traços de saudade, de perdão, de arrependimentos, de alegrias e tristezas e mais uma vontade incontrolável de recomeçar. Dez segundos. Dez segundos para uma vida nova. Dez segundos para o mágico poder de mudar, de se transformar, de se redescobrir fazer efeito. Dez segundos para reviver e repensar o ontem e assim começar a desenhar e construir o amanhã. Dez segundos.  
Dez...
Nem acredito que nesse ano eu mudo a aliança de dedo.
Nove...
Menino, sai do meio da rua! É perigoso!
Oito...
Derrubaram vinho tinto no carpete. Vai manchar. Calma, amanhã eu limpo. Amanhã eu limpo tudo.
Sete...
Seja feliz minha mãe, onde quer que esteja, seja muito feliz.
Seis...
Não posso esquecer-me de pular com o pé direito, é esse de cá, o de cá.
Cinco...
Alguém pegou a garrafa de vodca?
Quatro...
Um emprego, meu Deus, eu preciso muito conseguir um emprego logo.
Três...
Meia noite e quinze e eu vou embora. Hora dessas já era para estar na cama. Quem trabalha a semana inteira até no último dia do ano tem sono.
Dois...
Nem mais uma azeitona. Pronto, agora é boca fechada pro resto do ano.
Um...
Acabou, acabou... O que foi que eu fiz da minha vida mais um ano? O que é que eu estou fazendo? E pior, o que é que eu vou fazer?
Feliz Ano Novo!

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